Iara Rennó

2008 é o ano do aniversário de 80 anos de Macunaíma, Iara Rennó lança o disco Macunaó.perai.matupi ou Macunaíma Ópera TupiCompositora e cantora paulistana estréia carreira solo com álbum todo realizado com trechos do livro "Macunaíma – o herói sem nenhum caráter", de Mário de Andrade
A cantora, compositora, instrumentista, arranjadora e produtora musical Iara Rennó, que tem músicas gravadas por Elza Soares e Ney Matogrosso, lança seu primeiro disco solo, "Macunaó.perai.matupi" ou "Macunaíma Ópera Tupi", em abril de 2008. O projeto tem patrocínio da Petrobrás e trás 14 faixas, todas compostas pela paulistana, exclusivamente, com trechos do livro "Macunaíma – o herói sem nenhum caráter", de Mário de Andrade.
O novo trabalho da integrante e fundadora da banda paulistana DonaZica, que tem dois elogiados discos lançados, conta com produções diferentes em cada música. Assinam as produções artistas como Siba, Kassin, Moreno Veloso, Benjamin Taubkin, Beto Villares, Alexandre Basa, Maurício Takara, Daniel Ganjaman,Quincas Moreira e Buguinha Dub. Participam do disco como convidados Tom Zé, Fuloresta (a banda de Siba), Arrigo Barnabé, Dante Ozetti, Funk Buia, Barbatuques, Tetê Espíndola, Toca Ogã, Da Lua, Bocato, Anelis Assumpção, entre outros.
O projeto Macunaó.perai.matupi ou Macunaima Ópera Tupi nasceu de um estudo de Macunaíma, durante um curso de literatura da faculdade de letras da USP, quando Iara identificou a musicalidade latente do livro. As canções são trechos, em sua maioria já apresentados em verso. Três músicas já foram gravadas anteriormente e entram no disco com arranjos novos: "Valei-me" e "Mandu Sarará", do disco Cartografia Musical Brasileira/ São Paulo – Rumos Musicais 2001 (coletânea do Itaú Cultural), e "Macunaíma", do disco Composição, da banda DonaZica (2003).
A primeira tiragem do disco, patrocinada pela Petrobras será distribuida por secretarias de educação, fundações de cultura e centros de formação de professores em todo o Brasil, como instrumento complementar de estudo da obra "Macunaíma – o herói sem nenhum caráter", livro que costuma ser solicitado constantemente nos vestibulares.
A musicalidade do livro Macunaíma, o herói sem nenhum caráter é obra prima de reconhecida importância nacional. Mais que uma colagem de lendas, mitos e rituais indígenas, com temperos africanos e portugueses, é uma leitura da própria formação da cultura brasileira. Na tentativa de encaixar a obra em uma classificação literária, foi conferido o termo "rapsódia" que, para o autor, "remetia diretamente às fantasias instrumentais que utilizavam temas e processos de composição improvisada, tirados de cantos tradicionais ou populares". Sendo a música o mais orgânico veículo de expressão e continuidade da tradição popular oral, Macunaíma está cheio de canções e de musicalidade. Macunaíma é "a ópera tupi", uma odisséia modernista que, pela própria estética do modernismo, não se apresenta no esquema de métrica e rima pressuposto pelas tradicionais epopéias. No final do livro está a prova irrefutável: "Me acocorei em riba destas folhas, catei meus carrapatos, ponteei na violinha e em toque rasgado botei a boca no mundo cantando na fala impura as frases e os casos de Macunaíma, herói da nossa gente".A obra, que já mereceu tantos ensaios literários, já passou para a linguagem do cinema e do teatro, não teve ainda um trabalho direcionado exclusivamente à sua musicalidade, tão latente e vibrante, que salta aos ouvidos desde a primeira leitura. Sua prosa revela-se rítmica e recheada de reiterações de fonemas, lembrando às vezes embolada, repente, rap. Em alguns pontos há um ritmo muito bem marcado, como é o caso do primeiro período do texto: "No fundo do mato virgem/ nasceu Macunaíma/ herói da nossa gente/ era preto retinto/ e filho do medo da noite". Daí a sugestão de se musicar algumas passagens do próprio texto, que podem assumir autonomia como canções, pois a construção na estrutura de colagem que o livro apresenta propicia ao mesmo tempo unidade e independência dos temas e historietas narrados. Algumas frases e expressões se repetem como refrões, como por exemplo "Ai! que preguiça...", além dos ditos populares (já existentes ou recriados) que também têm ritmo pronto: "espinho que pinica de pequeno já trás ponta", "quando míngua a luna não comeces coisa alguma". O livro traz dezesseis versos precedidos de indicações como "cantava triste" e "cantando cânticos de longa duração", que atestam se tratar de fato de canções e/ou orações. Evidentemente essa manifestação musical no livro deve-se ao fato de que o autor foi um importante musicólogo, que pesquisou e documentou através de livros e da Missão de Pesquisas Folclóricas, na década de 20, diversas manifestações musicais do Brasil até então desconhecidas. Algumas das passagens mostram na forma e/ou no conteúdo de qual manifestação folclórica foram retiradas, como é o caso das canções do bumba meu boi, o canto de pedinte, cantigas de ninar, pagelança, etc. Outras apresentam elementos de religiosidade indígena, ou ainda formas mistas, sem definição. Essas 'músicas', no livro não trazem sua melodia, o que permite/ permitiu a criação das mesmas. A forma e o assunto de cada trecho sugerem uma musicalidade, que serve como ponto de partida. Não de modo elementar, copiando as formas do folclore a que remetem, mas misturando-as entre si e lhes acrescentando elementos sonoros outros, conservando e corrompendo a tradição, colando e recriando, bem ao gosto do poeta e ao sabor da obra: "na fala impura".

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