Junio Barreto

Junio Barreto, poeta de tempo próprio
Ainda pivete, graças ao rádio "Transglobo" de seu pai, Junio Barreto começou a notar que a distância entre Caruaru e o resto do mundo era menor do que sugeriam os livros de geografia. Sabedor da ausência de fronteiras da música, guardou os ritmos do agreste no juízo e se mandou, ainda adolescente, pro Recife. Aboios, violeiros, baião, banda de pífanos, frevo, coco, xaxado _levou tudo junto em seu matulão.
Ouviu muito rock inglês, fez seu próprio rock _liderando a banda Uzzo_, compartilhou da gestação do mangue beat. Os comichões só aumentaram, e Barreto pegou a estrada de novo.
Impregnado de agreste, sertão e litoral, aportou na concrete jungle paulistana suavemente, sem alarde.
Aos poucos São Paulo foi se abestalhando com o namoro de candomblé e drum’n bass celebrado pelo seu novo inquilino. Voz de tenor, alma negra, o sossego em pessoa, Junio Barreto 40 anos, amigo e parceiro de Otto, lança agora seu primeiro disco solo.
Com 10 faixas, o independente "Junio Barreto", viabilizado pela lei de incentivo à cultura do governo de PE, tem o terreiro em sua essência, seja o terreiro de maracatu, de candomblé ou mesmo o pedaço de barro batido que abriga almas e passos em quintais pelo Brasil afora. São sambas conduzidos com melancolia e delicadeza, aboios que se transfiguram a partir de arranjos modernos e sofisticados.
Nove das dez canções são da lavra do autor. A exceção só confirma a regra de que não se trata de um disco comum. Em "A Mesma Rosa Amarela", letra do poeta Carlos Pena Filho musicada por Capiba e anteriormente gravada por Maysa, o vozeirão de Junio é acompanhado por um esmerado piano acústico de Lincoln Antônio e por moogs, numa combinação de arrepiar.
As demais composições, recheadas de vocábulos recriados, mostram um autor influenciado por Guimarães Rosa e Manoel de Barros e atento ao falares do agreste e do sertão. Revelam um compositor avançado em anos, não poeta extemporâneo: poeta de tempo próprio. Três exemplos:
"Vai tardinha, encostaCoi de voga anda noite te chamouRoda, adoça foraJorra o doce que o dono da cana mandou"(Do Caipora ao Mar)
"Ela mandou caiá, lavar todo o terreiroQuis dengo de mão e samba de maracatuDeu rosa pra menino, buchada de carneiro, êSó porque chegou água na torneira"(Oiê)
"Se vê que vai cair deita de vez, oh negoClareia, clareiaAmansa calundu, junta, sacode, sai, éCai logo, negoSossega teu coração"(Se Vê Que Vai Cair Deita de Vez)
Não é apenas coincidência etimológica, pois, que o CD tenha sido gravado no estúdio paulistano Terreiro do Passo, capitaneado pelo músico e pesquisador Alfredo Bello, que produz o disco junto com Junio, toca baixo em várias faixas, além de moogs e efeitos eletrônicos tantos.
Além de Bello, a banda de Junio tem a percussionista Simone Soul, o guitarrista Gustavo Ruiz, o flautista Marcelo Monteiro e tecladista Dudu Tsuda.
Instrumentos de quatro faixas foram gravados em Londres e Gateshead (Inglaterra), pelo estúdio móvel do Terreiro do Paso.
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