Argamassa

No fim do século XX, o termo “fusão” era muito empregado para definir o estilo musical de bandas brasileiras que aprofundavam a experiência tropicalista: ritmos brasileiros fundidos a guitarras, intervenções eletrônicas aprendidas no pop internacional acopladas à tradição harmônica da bossa nova, enfim, a junção de procedimentos que ainda pareciam díspares. O movimento “mangue bit” foi uma das pontas de lança deste tipo de procedimento.

A banda Argamassa é bastante representativa de um momento antropofágico posterior: as referências musicais estão mais imbricadas, mais coesas, e não extraem sua força do choque entre diferentes, mas sim da cumplicidade possível entre as tradições.O dub já nasce afro-samba, o funk é samba com sabor de rock e de jazz, o eletrônico convive com o elétrico e o acústico de um jeito muito particular.

De modo que a Argamassa se define não só pelo modo como mistura referências, mas principalmente pelos climas musicais que propicia. As letras das composições refletem um distanciamento crítico em relação ao cotidiano, a busca de uma sabedoria que o ultrapasse, o que resulta numa melancolia dançante - e aqui se entende melhor o encontro do dub com o afro-samba, por exemplo. A melancolia de estar preso a uma roda-viva da qual se quer escapar - e a transcendência acontece na sugestão danççante. “Eles têm medo de só ir vivendo/ e de morrer””, verso da música “Sem Saber”, sintetiza uma identidade entre filosofia “rasta” e a poesia musicada de Vinícius de Morais.
Os membros da banda têm todos por volta de 30 anos, e estão naquela fase muito interessante do artista que já experimentou e apreendeu diversos caminhos e agora trata de construir o seu, inconfundível. Kika vem, entre outros trabalhos, do grupo vocal feminino Trilha, para o qual realizou e executou arranjos vocais, e na Argamassa já surge como vocalista que pode trabalhar em diversos registros. Décio 7 tocou em diversos palcos do mundo como percussionista da banda da cantora de MPB jazzística Badi Assad, e também de outras formações, como do performático Z4 Percussão Ambulante e do Rockers Control.

Também deste último vem o guitarrista Cris Scabello, somando à banda sua experiência como produtor e fomentador do uso de softwares livres para gravação musical; Marcelo Dworecki, mais novo do grupo, executou (tocando diversos instrumentos) trilhas sonoras ao vivo para peças de teatro, com grupos como Parlapatões e Pia Fraus, inclusive com parcerias com o compositor André Abujamra, e também teve anos de experiência com sonoplastia para cinema - como no filme Eu Tu Eles, dirigido por Andrucha Waddinton, entre outros.

A junção destas experiências traz uma contribuição singular e sólida à música brasileira, jamaicana, norte-americana, africana, européia: qualquer tradição com a qual a música da Argamassa se relacione tem elementos com que se identificar, e elementos a apreender. Mas ninguém duvida que é música brasileira mesmo.

Música para morar
por Danilo Monteiro
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